Na aldeia onde cresci sempre fui feliz, principalmente durante a infância. Os miúdos reuniam-se sempre ao fim da tarde para fazer das suas. Tínhamos sempre a agenda muito preenchida. Ora eram as pequenas rixas entre nós, ora a caça de grilos que posteriormente eram usados como gladiadores, ora as idas aos ninhos, ora as épicas demandas de sardões assustadores.
Pela altura das festas, fazíamos bombas com a pólvora seca dos foguetes que não rebentavam. Foi numa destas brincadeiras que o Manelito, o mais valente entre nós, perdeu a mão quando tentava cortar um foguete com uma faca de cozinha. Lembro-me como se fosse hoje de ver a sua mão desfeita em sangue e pedaços de carne. O alvoroço que não foi…
Crescemos e estas brincadeiras foram substituídas por uma que agradava a todos: o galanteio das mocitas da zona. O Manelito também ia connosco, nervoso, cabisbaixo. Quando avistávamos uma ou duas mocitas conhecidas de algum de nós fazendo gazeta no muro da escola ou nas imediações do supermercado, os mais ousados logo se punham a tagarelar, e o Manelito enfiava o toco que lhe restava no bolso. Se não o conhecessem, talvez por alguns momentos ainda pensassem que era um rapazito vulgar com a mão no bolso. Lá se desenrolava a conversa (sobre quê?) e o Manelito lá se via obrigado a tirar a mão do bolso. Quando o fazia, as moçoilas logo descobriam o seu segredo. Então surgia uma súbita e inexplicável atenção para com o Manelito, e risinhos amáveis, e amaciamentos de pêlo, e o Manelito gostava, e o Manelito corava.
Chegava-se a hora de jantar e voltávamos a casa. O Manelito agarrava um pau com a sua mão sá, e um pouco afastado dos restantes varejava tudo o que encontrava pelo caminho: pedras, casas, flores, chão, paredes, mato. Depois olhava-nos de relance com um ar de incompreendido. O silencia começava a reinar entre nós. Pelos vistos, todos o compreendiam.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
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