quarta-feira, 19 de junho de 2013

Cartas Anónimas a Sainte-Beuve (2)




Eu, Senhor, sou incapaz de sentir o amor. A minha alma foi-se há muito, como o fumo das fábricas, como o trilhar furioso dos comboios. Além disso, tenho muito medo do que o futuro me possa reservar. Tenho medo da dor, na mesma proporção em que gosto de ter prazer. Esta linguagem básica e primitiva é a única que me permito compreender. Por isso apaixonei-me por aquela mulher - ela é desprovida de artificialismo. A sua linguagem é a do sexo e da violência. Quando ela diz sexo, sei a certeza que ela quer dizer sexo; quando bate, sei que pretendia bater. Já lhe pedi várias fotos para ter sempre uma recordação sua, mas recebo, invariavelmente imagens electrónicas suas denunciando nudez explícita. É uma questão de hábito.  
Se a morte, aquela que é certa, me ceifar em tenra idade, prometo desde já que fiz todos os possíveis para ler o livro de que falam todos os bons escritores: o Livro do Mundo, ou seja, todas as regras. O essencial mesmo é compreender as regras, e quem se esforce desde cedo nisto, seguro é que vai muito longe, nesta como em todas as épocas.

Senhor, tenho medo do corpo. É uma coisa interminável, de veios e nevoeiros, de mil probabilidades e volatilidades, mas que coisa! Se me dissessem que o mal estava no corpo, de muito bom grado acreditava, mas era preciso ir mais fundo e mais fundo e fundo, fundo…