A praia estava cheia, diga-se, a abarrotar. Magotes e
magotes de pessoas apinhavam-se perigosamente perto das enormes vagas. Eram
ondas bonitas, sem dúvida, mas daquela beleza fatal dos abismos.
Os nadadores-salvadores, cautelosamente, içaram as bandeiras
vermelhas em jeito de advertência. Porém, quiçá fruto dos numerosos surfistas
que praticavam a sua arte, ninguém parecia atemorizado.
Jovens de todas as idades lançavam-se contra as ondas.
Crianças sós pulavam nos pequenos charcos que a força da maré criava nos locais
mais insuspeitos. Outras eram levadas pelas próprias mães e logo abandonadas à
beira-mar perante o sorriso complacente de todos. Quem as pode censurar, afinal
não é verão todos os dias…
As velhinhas e os velhinhos arrastavam os seus corpos
disformes à violência da corrente sem o justo temor de serem imediatamente
engolidos.
Os salvadores assistiam impávidos a todo este espectáculo de
desafio à morte certa.
Sem surpresa, o mar cuspia cadáveres. Eram sobretudo os dos
velhinhos e das crianças – não são estas as primeiras vítimas nas grandes catástrofes?
Mas via-se jovens na flor da juventude debalde debatendo-se com a força da
maré, e outros (talvez aqueles a quem a morte já se prometera havia muito
tempo) boiavam como enormes manchas de várias cores a uma distância já inalcançável.
Talvez, um dia, o mar tenha bondade de os devolver à terra.
Os salvadores diligentes colocavam placas de perigo nas
zonas mais devastadas pela mortandade. Que mais poderiam fazer contra uma
multidão acéfala que desrespeita os mais básicos princípios da conservação?
Já a tarefa dos médicos, naquela tarde, encontrava-se
bastante facilitada. Limitavam-se a preencher certidões de óbito com a ajuda de
uma espécie de manual. Ninguém parece ter saído irritado com o facto de
colocarem ventosas em cadáveres, como se fingissem diligências e manobras de ressurreição.
Foi neste estado que vi um velhinho deitado sobre uma toalha e uma amálgama de
gente à sua volta. Tinha as mãos cruzadas, uma sobre a outra. Não sei se se
encontrava assim quando deu o último suspiro ou se foi a piedosa atenção dos
seus familiares que assim o colocou. Não pareciam tristes, afinal, quem de novo
não vai, de velho não escapa. E , apesar de tudo, não é assim tão mau morrer na praia.
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