segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Morrer na Praia


A praia estava cheia, diga-se, a abarrotar. Magotes e magotes de pessoas apinhavam-se perigosamente perto das enormes vagas. Eram ondas bonitas, sem dúvida, mas daquela beleza fatal dos abismos.
Os nadadores-salvadores, cautelosamente, içaram as bandeiras vermelhas em jeito de advertência. Porém, quiçá fruto dos numerosos surfistas que praticavam a sua arte, ninguém parecia atemorizado.
Jovens de todas as idades lançavam-se contra as ondas. Crianças sós pulavam nos pequenos charcos que a força da maré criava nos locais mais insuspeitos. Outras eram levadas pelas próprias mães e logo abandonadas à beira-mar perante o sorriso complacente de todos. Quem as pode censurar, afinal não é verão todos os dias…
As velhinhas e os velhinhos arrastavam os seus corpos disformes à violência da corrente sem o justo temor de serem imediatamente engolidos.
Os salvadores assistiam impávidos a todo este espectáculo de desafio à morte certa.
Sem surpresa, o mar cuspia cadáveres. Eram sobretudo os dos velhinhos e das crianças – não são estas as primeiras vítimas nas grandes catástrofes? Mas via-se jovens na flor da juventude debalde debatendo-se com a força da maré, e outros (talvez aqueles a quem a morte já se prometera havia muito tempo) boiavam como enormes manchas de várias cores a uma distância já inalcançável. Talvez, um dia, o mar tenha bondade de os devolver à terra.
Os salvadores diligentes colocavam placas de perigo nas zonas mais devastadas pela mortandade. Que mais poderiam fazer contra uma multidão acéfala que desrespeita os mais básicos princípios da conservação?
Já a tarefa dos médicos, naquela tarde, encontrava-se bastante facilitada. Limitavam-se a preencher certidões de óbito com a ajuda de uma espécie de manual. Ninguém parece ter saído irritado com o facto de colocarem ventosas em cadáveres, como se fingissem diligências e manobras de ressurreição. Foi neste estado que vi um velhinho deitado sobre uma toalha e uma amálgama de gente à sua volta. Tinha as mãos cruzadas, uma sobre a outra. Não sei se se encontrava assim quando deu o último suspiro ou se foi a piedosa atenção dos seus familiares que assim o colocou. Não pareciam tristes, afinal, quem de novo não vai, de velho não escapa. E , apesar de tudo,  não é assim tão mau morrer na praia.