Consta que, em tempos, um homem viajou durante três dias dentro de uma baleia. Julgo não serem necessários mais alongamentos nesta matéria, não só porque esta é, a par de todos as outras profecias dos evangelhos, uma das histórias reproduzidas de sempre (e só não terá sido teatralizada tantas vezes como a Paixão de Cristo, dadas dificuldades de produção de tal espectáculo e ausência de uma quadra específica para o fazer); como também pelo facto de, e incorrendo já no risco do provincianismo, ser sempre importante tirar grandes e proveitosas ilações morais, como por certo o leitor o fará.
Para a nossa narração, apenas dois factos nos parecem relevantes:
a) Jonas decidiu empreender uma viagem. Fosse porque Deus assim o quis, fosse porque se encontrava acossado pelos inúmeros inimigos de Israel, ou por vontade missionária ou simplesmente para mudar de ares, o que é facto é que empreendeu de forma mais ou menos voluntária. Era contudo, aquilo a que podemos chamar um exilado da pátria, isto porque não temos critérios tão estreitos como a moderna teoria das relações internacionais que não considera assim os refugiados económicos, vulgo – imigrantes;
b) Jonas teve um acidente de percurso durante a viagem marítima que o levava às praias douradas do oeste, e tendo sido jogado borda fora pelos companheiros de fortuna, que sabiamente adivinharam nele a pestilência do azar, foi resgatado por uma providencial baleia, que generosamente o alojou no seu ventre durante três dias e três noites até o devolver à segurança do solo firme.
Como bom cristão que sou, tirei deste episódio bíblico algumas conclusões bastante proveitosas.
Durante a minha vida recheada de peripécias, fui, eu próprio, exilado várias vezes, a maior parte das quais de livre vontade. Primeiro, por necessidade de aventura, de conhecer… enfim! Todas aquelas coisas em que os jovens se julgam inteiramente originais e que ao fim de contas são mais comuns. Durante as minhas aventuras dentro e fora da pátria mater, tive dezenas de quartos, companheiros de casa, discussões com senhorios e aventuras sexuais. A maior parte das vezes faltou-me dinheiro, mas era precisamente nessas alturas malfadadas que descobria a verdadeira utilidade das coisas. Descobri porque é que as gentes de Leste e os asiáticos bebem tanto chá. Segundo a minha dedução empírica, uma vez que estes povos periodicamente são assolados por vagas de fome, é de todo proveitoso que bebam chá com fartura. Pois sendo uma bebida que (venham lá com as histórias que quiserem), é basicamente água quente com um pouco de aroma, tem por efeito dilatar o estômago e assim se alivia a sensação de fome.
Descobri também porque é que os italianos chamam “pomodoro” ao tomate. O termo italiano faz mais sentido do que todos os outros, porque “maçã de ouro” é ao que o tomate mais se assemelha. Realizei esta importante descoberta quando, estando eu refugiado em Itália, se me acabou o dinheiro. Gastei os meus últimos tostões num maço de tabaco de contrabando num beco de Nápoles. Note-se que chegar ao local com o dinheiro intacto era já um feito!
A minha patroa da altura, vendo as minhas carnes diminuir dia para dia, e ficando um pouco sensibilizada com isso, já que trabalhava para ela em regime “não pago”, resolveu matar dois coelhos de uma só cajadada: fazer caridade e contribuir para a salvação da sua alminha (e quem sabe fazer caridade a mais alguém). Passou a oferecer-me, todas as sextas-feiras, um cesto de tomates, que eu, claro está, agradecia com o melhor sorriso e levava para casa. Lembro-me que a primeira vez que o fez, rifei-lhe umas moedas de 50 cêntimos de colecção que ela tinha expostas e fui comprar pão. Cheguei a casa e fiz uma bela sandes de tomate, que passou a meu menu diário.
Estas e outras histórias que, estou certo, qualquer pé-rapado as deve ter em número bem mais abundante e recheadas de bastantes mais pormenores de fazer chorar as pedras da calçada, fizeram-me tirar bastantes conclusões úteis para a minha vida (e haverá coisa mais útil do que a utilidade?). A mais importante de todas, confesso, é que mais vale rico e com saúde do que pobre e doente.
Quanto a Jonas e à baleia, lembrei-me deles, quando há pouco molhava os pés no mar. Olhava para o longo firmamento (onde algures será a América) e pensava que talvez um dia a baleia voltasse e me trouxesse algo. Por momentos, imaginei-a à beira mar a vomitar alguma coisa minha. Talvez uma par de calças rotas, umas meias e uns óculos de sol antigos.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
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